domingo, 6 de janeiro de 2013

Narrativas da Viagem


CUIABA  A SANTA CRUZ DE LA SIERRA


Ir de Cuiabá, o centro geodésico da América do Sul, a Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, não é tarefa das mais simples ou agradáveis. Apesar de muito falada, discutida e propagandeada, a rota terrestre legal que teoricamente liga as duas capitais entre si, pode ser tudo, menos uma rota turística, na verdade continua sendo uma rota de fuga, tráfico ou contrabando, onde a precariedade, a desinformação e o desinteresse predominam absolutos.

E olhe que já fiz essa rota no mínimo uma dúzia de vezes ao longo dos últimos 30 anos! Proponho-me a descrever a única rota terrestre legalizada que une o Mato Grosso a República da Bolívia, resumindo a melhor maneira de fazer essa cansativa e às vezes arriscada jornada.

De Cuiabá necessariamente você deve ir a Cáceres, pode ser por alguns dos ônibus diários que fazem esse trecho ou com vans que fazem o mesmo percurso, pessoalmente, prefiro o ônibus, considero mais seguro e tem horário fixo. As vans costumam ter horário mais ou menos fixo, mas saem buscando os passageiros nos locais combinados 2 horas antes da saída, isso significa que você tem que estar de prontidão com duas horas de antecedência. A vantagem da van é que ela busca e deixa no endereço combinado, fora isso, ela custa mais caro e demora mais que os ônibus.

Chegando em Cáceres , graças ao Mercosul, você não precisa mais ficar calculando o horário para conseguir ir no Posto da Polícia Federal para obter o papel de saída do Brasil, a não ser que você viaje com menores de idade, aí então, você deve escolher o horário de van ou ônibus que chegue ainda em tempo de você ir lá e conseguir seu documento, isso feito, você provavelmente vai ter que dormir em Cáceres para poder pegar, já no dia seguinte, a van que levará até San Matias, a primeira cidade boliviana depois da fronteira.
A van  mais garantida sai da Rodoviária antiga de Cáceres as 4:30 hs da manhã, tem outras que saem e chegam mais tarde, podendo dificultar ou mesmo impossibilitar sua ida rápida a Santa Cruz. Mas de qualquer modo, ao chegar na Corixa, um lugarejo na chamada terra de ninguém, entre a linha de fronteira dos dois países, você vai passar por uma ou mais barreiras do Gefron( Grupamento Especial de Policiamento da Fronteira) e pelas instalações do exército brasileiro e da receita Federal, que surgem como miragens na  pantaneira paisagem local.

Chegando na Corixa, a van que ia até San Matias, nos deixa por lá mesmo, na mão de taxistas bolivianos que estão sempre discutindo com os policiais brasileiros,  apesar da precariedade dos veículos, os taxistas costumam ser solícitos e cobram barato por uma corrida de 8 km na esburacada estradinha de terra.

Passada a singela barreira do exército boliviano, logo você chega em San Matias e terá que reajustar seu relógio em uma hora a menos e decidir se vai ao terminal de buses comprar ou esperar abrir os guichês das duas empresas bolivianas que fazem o percurso até Santa Cruz ou se você já fica no caminho em frente ao posto da Migracion Boliviana que abre às 7:30 hs e fará sua papeleta de entrada, sem a qual você terá muitos problemas durante a viagem. Resolver esse pequeno dilema nem sempre é fácil. Se você for direto comprar as passagens e depois ir a Migracion isso vai significar que terá que tomar táxi 3 vezes antes de embarcar no ônibus e eventualmente enfrentará uma pequena fila na Migracion; por outro lado, se você for direto na Migracion e ficar esperando entre uma a duas horas até o posto abrir, você com certeza será um dos primeiros da fila e depois de conseguir sua entrada na Bolívia, corra de táxi para o terminal de buses e compre logo seu boleto, às vezes você  chega lá e eles já acabaram e você  terá que esperar até o outro dia para ir a Santa Cruz... passar o dia e a noite em San Matias é um programa que não desejo aos meus amigos nem aos inimigos.

Pois é, cansou de ler a respeito, imagina que a dita viagem, jornada, travessia, aventura, encrenca, nem sequer começou!

Agora, com o boleto na mão, embarque no ônibus boliviano, que muitas vezes é até bonito por fora, mas estragado por dentro, então, boa viagem. Você tem pela frente 890 km de estradas muito ruins, motoristas ora simpáticos e ora truculentos que não hesitarão em abandonar você, se por acaso se atrasar numa das paradas em busca de algum banheiro, coisa muito rara de encontrar, e se o ônibus não quebrar como comumente acontece, você vai ter medo da velocidade com que eles andam em veículos e estradas tão precárias. Mas se tudo correr bem, você até vai conseguir almoçar um arroz com feijão e bife suculento  em San Vicente, depois mais uma parada em San Ignácio e uma pequena parada em San Javier, onde o motorista, nesta nossa viagem, queria deixar para trás duas turistas brasileiras que foram procurar um banheiro.

Finalmente, por volta da meia noite você chegará ao Terminal Bimodal em Santa Cruz, terá que escolher um taxi e sair rápido em busca de um dos muitos hotéis e alojamentos existentes nas proximidades, mas fique esperto que o lugar é meio perigoso.
E assim, depois de uma longa e cansativa viagem, você estará a cerca de 1200 km de Cuiabá e ficará pensando se a volta será como a ida ou pior, ou se você, ao invés de pegar um ônibus para San Matias, pega logo o trem que vai até Corumbá, no Mato Grosso do Sul, e volta mais tranquilo e seguro.

Enfim, não é tarefa simples ou agradável chegar em Santa Cruz de La Sierra saindo de Cuiabá por via terrestre em transporte coletivo. Com carro próprio isso fica um pouco mais fácil, só não esqueça de levar a documentação do veículo para fazer o salvo-conduto em San Matias, alguns brasileiros entram sem ele e vão no máximo até San Ignácio, a partir daí se você for parado, e você será parado, e não tiver o salvo conduto, estará em apuros e mesmo pagando propina corre o risco de ter seu carro apreendido, só vai depender de qual tipo de polícia boliviana fizer a abordagem.

Em relação à documentação pessoal exigida, essa é a parte mais simples, você precisa de Carteira de Identidade (RG) atualizada, e o certificado Internacional de Vacinação contra a Febre Amarela, que pode ser solicitado com a Anvisa, você pode fazer o agendamento pela internet e depois ir ao Posto da Anvisa dentro do Aeroporto em Várzea Grande, mas antes tem que ir a algum Posto de Saúde e tomar a vacina com no mínimo 10 dias de antecedência. Se  você tiver passaporte, pode viajar com ele também.   No caso de estar viajando com filhos ou menores, você precisa das  autorizações e dos documentos pessoais deles. Uma dica é sempre levar fotocópias autenticadas dos documentos, em caso de roubo ou perda dos originais, isso vai ajudar muito.

Lembre-se que vai precisar trocar seu dinheiro brasileiro por dólares americanos e por Pesos Bolivianos, os dólares você pode trocar em casas de câmbio ou mesmo no Banco do Brasil. Nesta viagem o valor da compra do dólar estava mais vantajoso no Banco do Brasil, por incrível que isso possa parecer, além do mais, durante o final do ano, as casas de câmbio ficaram sem nenhum dólar, tudo foi vendido para um turbilhão de cuiabanos que foram viajar ao exterior. O Peso Boliviano ou simplesmente Boliviano pode ser trocado em San Matias ao valor de Bs 3,00 para cada real, em Santa Cruz conseguimos ao valor de Bs 3,14. Se quiser trocar em Santa Cruz tem muitas casas de câmbio em redor da praça principal da cidade, conseguimos trocar nossos reais pelo mesmo valor que estava em Cuiabá, R$ 2,20 para cada dólar.

Santa Cruz é uma metrópole bem agitada, com trânsito intenso e vários atrativos culturais e turísticos bem interessantes, mas a Bolívia esta crescendo muito e já não é tão barata como dizem, principalmente em Santa Cruz. O custo de vida aqui é muito alto e você vai gastar quase o mesmo que gastaria no Brasil, fique o tempo necessário para conhecer o básico e siga em frente, quanto mais longe da fronteira e da influência do Brasil, melhor. A Bolívia é uma nação espetacular e com preços bem atrativos, portanto, pé na estrada.

Santa Cruz de La Sierra 04/01/2013
Mario Friedlander