sábado, 30 de abril de 2011

O Congo de Vila Bela

Apesar de ser vista como uma dança, o Congo representa mais que isto. O Congo é o guardião de São Benedito, sem o qual os festeiros e os instrumentos rituais que representam o Santo e a Irmandade não podem sair às ruas. Os figuras do Congo são Soldados da fé, devotos que saem às ruas armados de espadas, com postura militar para escoltar o Santo, demonstrando sua crença e devoção a toda a comunidade.

Rei do Congo, Joaquim das Neves Fernandes Leite "Joaquim Poeta" (in memorian)

Através das músicas, comunicam-se com os festeiros e com o público, homenageiam a Irmandade e alegram a comunidade.


O Grupo do Congo é formado por 27 homens adultos e um pré-adolescente, que desempenham as funções de: Rei; Príncipe; Secretário de Guerra; Embaixador; 2 Guieiros; 8 Músicos; 14 Soldados. Conforme o Rei do Congo existem ainda 1 Camareiro e 4 Soldados da Reserva.

Atualmente estão organizados através da Associação da Dança Cultural do Congo (ADCC), criada em 2000 (CNPJ 03.840.441/0001-90), cujo Presidente é o Sr. Joaquim das Neves Fernandes Leite, atual Rei do Congo.


O Rei do Congo, sob a escolta de um Soldado, mostra o bastão de mando, o mesmo conduzido pelo antigo Rei Antônio Simplício e provavelmente por muitos outros.


Reprodução de foto antiga da década de 50, Seo Antônio Simplício, considerado pelos vilabelenses como o melhor Rei que o Congo já teve.
Era um poetista ou repentista notável.


O Grupo apresenta-se com indumentária especifica chamada de fardamento, que consiste de camisas de manga comprida, eventualmente camisetas; calça comprida; botinas de couro; capas compridas; faixas peitorais, capacetes com penas de ema; chapéus enfeitados; escudos peitorais; espadas de madeira; cincerros; coroa e bastão de mando.

A função específica do Congo é a de buscar e reunir todos os festeiros de São Benedito, levá-los a missa, buscá-los de volta ao final e com todos os festeiros e familiares reunidos, assim como as autoridades e o povo em geral, apresentar um teatro dramatizando a história do confronto entre o Reinado do Congo simbolizado pelo Rei, seu filho, o Príncipe e seu Secretário de Guerra, e o Reinado de Bamba simbolizado pelo Embaixador e seu exército com 24 Soldados, que ao final são subjugados ao Reinado do Congo pela força e depois pelo milagre de São Benedito.

Após a apresentação, o cortejo com os festeiros e uma pequena multidão são escoltados pelo Congo até a casa da Rainha onde todos são recepcionados com uma chuva de confetes, Chorado, bezéques, muita alegria e confraternização. Logo após, todos se dirigem sob a escolta do Congo ao Centro Comunitário, oferecido pela Rainha. Após o almoço o Congo reinicia a escolta do cortejo de festeiros, entregando o Rei, a Juíza, o Juiz, e as Ramalhetes.

No dia seguinte, há a mesma função de buscar os festeiros e levá-los para a missa, onde serão proclamados os festeiros da próxima festa. Neste dia o trabalho é dobrado, pois o Congo tem que buscar os festeiros atuais e os futuros festeiros, o que aumenta muito o itinerário e o esforço desprendido.

O Congo sai bem cedo para buscar os festeiros; na foto,
o Juiz de São Benedito, Everaldo Coelho de Brito, escoltado pelos soldados do Congo.

Após a Missa Afro, onde é feita a proclamação e transferência simbólica dos cargos aos novos festeiros, o Congo escolta o cortejo dos festeiros à casa da Juíza e depois ao Centro comunitário para o almoço oferecido pela mesma. Após o almoço o ritual de entrega dos festeiros continua até que todos sejam entregues, o que acontece até o início da noite. Depois disso o Congo se dirige ao pátio frontal da Igreja Matriz onde, junto com uma multidão, cantam e dançam encerrando a festa de São Benedito. 


DANÇA DO CONGO (Status & Função):

Rei  -  Escolhido pelo próprio grupo do Congo com possíveis interferências da Irmandade de São Benedito. Tem cargo vitalício, mas pode ser substituído por motivo de saúde, velhice, mudança para outra cidade ou por algum conflito interno grave.

Rei do Congo, Joaquim Poeta (in memorian)
O Rei manda simbolicamente em todo o Reinado, incluindo-se aí, todos os Soldados, o Príncipe, o Secretário e o Embaixador de Bamba. Ele é o responsável pelo bom andamento da dança. Preenche as vagas para os “figuras” do Congo, e coordena os ensaios juntamente com o Embaixador. Atualmente, o Rei também é Presidente da Associação do Congo e dirige o “Conguinho”, grupo numeroso de meninos que estão aprendendo a dançar o Congo, tendo já se apresentado em um ou dois eventos públicos em Vila Bela.

Conguinho de Vila Bela


Joaquim Poeta organizando o Conguinho
Kanjinjin (Príncipe)  -  Pré-adolescente escolhido pelo Rei, após consultas ao Grupo do Congo e à Irmandade. O Príncipe representa o filho do Rei, o herdeiro do Reinado. Dele se espera valentia, seriedade, obediência e a valorização das tradições.

O Príncipe pode perder seu cargo por diversos fatores como desobediência contínua, comportamento anti-social. Normalmente ele perde o cargo quando entra na adolescência ficando muito grande para representar o papel de Príncipe.

Principe do Congo

Secretário de Guerra  -  Escolhido pelo Rei entre os figuras do Congo, o Secretário é o braço direito do Rei, tendo papel de destaque na dramatização. Protagoniza várias falas e combates e ao final, vence os soldados inimigos através de um feitiço do Rei e da fé a São Benedito.

Lelys Carneiro Geraldes, Secretário-de-Guerra do Congo

Embaixador de Bamba  -  Escolhido pelo ex-Embaixador ou por algum complô interno, o Embaixador é o dono dos Soldados. Juntamente com o Rei, define os itinerários na busca dos festeiros, comanda os Soldados, cobra disciplina e fervor, corrige as músicas e coreografias e determina punições quando necessário.

Guieiros  -  São os dois figuras ou Soldados que vão na linha de frente do Congo. São responsáveis pelo alinhamento do grupo, são “tiradores” das músicas, ajudam o Embaixador com o traçado do itinerário e deslocamento em busca dos festeiros. Seriam os sucessores naturais para o cargo de Embaixador, mas nem sempre isso acontece. 

Músicos  -  São oito figuras ou Soldados que tocam respectivamente: dois chocalhos, dois ganzás, dois bumbos e dois cavaquinhos, fornecendo acompanhamento musical para as cantigas do Congo.

Carlinhos, Músico do Congo

Soldados  -  São dezesseis figuras chamados também de Soldados ou Dançantes, incluindo-se aí, os “Guieiros”. São escolhidos pelo Rei ou assumem alguma “vaga” familiar em substituição a algum parente em caso de morte, doença ou velhice.

Ismael Fernandes de Brito, Guieiro do Congo 

Soldados do Congo preparam o Canjinjin
 
Tem que ser negros, de família tradicional, beber pouco, serem devotos de São Benedito, ter boa voz e saber cantar, além de ter boa resistência física e obedecerem sem discussão a hierarquia do Congo.



Fonte:
A Festança de Vila Bela da
Santíssima Trindade - Mato Grosso

Mario Friedlander

Inventário Nacional de Referências Culturais

IPHAN
Ministério da Cultura
Cuiabá, Dezembro de 2001









CANTOS DA DANÇA DO CONGO
LIMA, José Leonildo. Vila Bela da Santíssima Trindade-MT: Sua Fala, Seus Cantos. IEL – UNICAMP. Campinas-SP: 2000.

I
Sai, sai o ingome sai
Saia do caminho
Sai engomerê.

II
Chegou, chegou enganaiá
Chegou, chegou enganaiá
Pra fazer a nossa festa de São Benedito
Pra fazer a nossa festa de São Benedito.


José Augusto Fernandes de Brito "Bugrão", Soldado do Congo

I
Bateram o sino respondeu lá vidraça
Bateram o sino respondeu lá vidraça
Viva Benedito Santo
que ganhou a sua graça
Viva Benedito Santo
que ganhou a sua graça.

II
Mais é ô Mariá
Mais é ô Mariá
Viva Benedito Santo
que ganhou a sua graça.

III
Sinhô Rei, sinhô rei enganaiá
Sinhô Rei, sinhô rei enganaiá
Digno nosso Rei
Digno nosso lar.

Germaninho, Soldado do Congo
I
Em paz, em paz, em paz
Em paz, em paz, em paz enganaiá.

II
Já, lá, lá mutê
Já, lá, lá mutê
Já, lá, lá calunga
Já, lá, lá mutê.

III
Olha lá matingombê, ê, ê, ê
Olha lá matingombê, enganaiá.


 Lelys, Secretário-de-Guerra do Congo

I
Sinhô Rei vamos embora
Sua festa já acabou.
Sinhô Rei vamos embora
Sua festa já acabou.

Senhora Rainha vamos embora
Sua festa já acabou.
Senhora Rainha vamos embora
Sua festa já acabou.

Sinhô Juiz vamos embora
Sua festa já acabou.
Sinhô Juiz vamos embora
Sua festa já acabou.

Senhora Juíza vamos embora
Sua festa já acabou.
Senhora Juíza vamos embora
Sua festa já acabou.

Ramalhetes vamos embora
Sua festa já acabou.
Ramalhetes vamos embora
Sua festa já acabou.

II
Acabou-se a festa
Com muita alegria
Acabou-se a festa
Com muita alegria
Viva Benedito Santo hoje neste dia
Viva Benedito Santo hoje neste dia.

Caxiri, soldado do Congo

I
Ô marinheiro ô marinheiro
Está na hora de embarcar
O navio está no porto
O marujo vai ao mar.

II
Um adeus bela menina
Tanto tempo eu cheguei
Eu pensava que ela não vinha
Para nunca mais me ver.

III
La Chica caracó
Oia lá miragongo
Ah! Vamos ver
Ó miragongo
Ora muxirungo.

IV
O seu Manoel mandou me contar
Como é a cana do canavial
Canavial do sobre tenente
Cada pé de cana
Ô bumba auê
Bumba xerê
Passeia na praia
Mantingombê, mantingombê
 
 
Jovem dançante do Congo, filho do Embaixador de Bamba

V
Oh! Glorioso São Benedito
Fica aí no seu louvor
Oh! Glorioso São Benedito
Fica aí no seu louvor.

VI
Se a Rainha está sentada
Sem intenção de levantar
Se a Rainha está sentada
Sem intenção de levantar
Sinhô Rei vamos embora
Sinhô Juiz mandou chamar

VII
Viva São Benedito
Lá do céu a glória
Por aquele menino
Que nos deu
A glória por  aquele menino que nasceu
A glória.

VIII
Ah! Viva Benedito com muita alegria
Porém vosso nome não é zombaria
Viva, viva, viva.


Toninho Brito de França, Soldado do Congo (in memorian)

IX

Chilena, chilena carmilá
Olha o caminho uau chilena carmilá.

X
Ajuê Calunga todo mundo sabe
Ajuê Calunga todo mundo sabe
Saltemos do mar em terra
A mesma pessoa
Por cima dum lambari
As ondas do mar são tantas
Não podemos conseguir.

XI
Olha lá mantingombê, ê, ê, ê,
Olha lá mantingombê, ganaiá.

XII
Olha moleque pequenino
Sai fora do caminho
Eu pego meu facão
Sua cabeça vai no chão.


Lelys Carneiro Geraldes, Secretário-de-guerra do Congo

XIII
E giá e giá
E giá e giá
Olha tanque canela
Que dança
Olha lá giá.

XIV
Olha furundu uma vez Luanda
Que eu já vou me embora.

XV
Vamos minha gente
Levantar o ferro.
O ferro está pesado
Vamos suspender o ferro.

XVI
Olha bamba cutia cutiá
Olha bamba cutia cutiá.


O Congo na rua Pouso Alegre durante a Festança, Vila Bela

Texto e fotos: Mario Friedlander