terça-feira, 22 de março de 2011

Diário de Bordo - 16 de março de 2011

Saímos do Hotel La Finca depois de produzir algumas fotos para o Espanhol Juan Figuerola, proprietário do Hotel, e seguimos para Coroico para resolver algumas questões, principalmente para arrumar e reabastecer o carro.
 

Vamos para a região de Sur Yungas pela estrada de Coroico até Coripata e então até Chulumani onde deveremos pernoitar para chegar a Chicaloma.

 Cruz Loma, na estrada Coroico a Chulumani

 Cruz Loma, na estrada Coroico a Chulumani

Os arredores de Coroico é uma região muito bonita, com grandes vales ainda cobertos de florestas e pequenas plantações de vários produtos, entre eles a coca.
 

 Estrada Coroico a Chulumani

 Estrada Coroico a Chulumani

 Estrada Coroico a Chulumani

 Plantações de Coca

Muitas cachoeiras grandes e pequenas caem ao lado da estrada e são utilizadas pela população local para banho, lavagem de roupas e de carros. Turistas mochileiros, principalmente Argentinos, desfrutam das cachoeiras e fazem longas caminhadas.
 

Quanto mais longe de Coroico mais seca fica a paisagem e as plantações de coca começam a dominar as encostas dos morros e os terrenos em volta das várias comunidades existentes ao longo da acidentada estrada.
 

Plantações de Coca
 Plantações de Coca

Estamos numa região denominada de Zona de Cultivo Tradicional da folha de Coca e praticamente todos trabalham com ela, os homens preparam a terra e constroem as pequenas terraças onde a coca é plantada, e as mulheres predominam no trabalho de colheita e secagem das folhas de coca.
 

 Plantações de Coca

 Plantações de Coca

A máxima da região é a seguinte frase: " A folha de coca não é droga". E na verdade, plantar coca é trabalhoso, mas rende mais que outras culturas tradicionais e o comércio das folhas é um excelente negócio por toda a Bolívia, pois grande parte da população usa a coca como o brasileiro usa o café. Usam várias vezes ao dia tanto para mascar como para fazer chá e oferendas a Pacha Mama.
 

 Plantações de Coca

Continuamos a seguir viagem em direção ao Sul dos Yungas e a paisagem muito acidentada e bonita enche nossos olhos o tempo todo.

Passamos por algumas pequenas cidades que se destacam, como por exemplo: Arapata e Coripata. E cada vez mais observamos o domínio da paisagem pelas infindáveis e íngremes plantações de coca, todas cuidadas com muito rigor e capricho.
 

 Arapata

 Coripata

 Coripata

No trecho entre a Comunidade Canton Milluguaya e a Puente Villa, a estrada se parece muito com a Estrada da Morte existente em Coroico, com a diferença que esta recebe trânsito de caminhões, ônibus, vans e carros, enquanto a outra geralmente só de bicicletas de turismo.
 

 Estrada Coroico a Chulumani

Quando percebemos onde estamos e o que teremos que atravessar ficamos temerosos e excitados, pois a estrada apertada fica sobre gigantescos abismos em vales enormes.
 

Estrada Coroico a Chulumani

Estrada Coroico a Chulumani

 Estrada Coroico a Chulumani

Avisto a pequena Comunidade de Cholha onde termina o Caminho de Takesi, uma estrada pré Incaica, toda pavimentada em pedras que atravessa um longo trecho das montanhas e que tive a oportunidade de percorrer duas vezes por volta de 1983. Lembro muito bem dessas travessias, sendo que numa delas quase perdi a vida com hipotermia a cerca de 5 mil metros de altura. Lembranças a parte, ficamos assustados com as precárias condições das estradas e encontramos um desmoronamento sendo arrumado por maquinário do estado.
 

 Estrada Coroico a Chulumani

Estrada Coroico a Chulumani

A emoção de atravessar esta estrada se torna a grande surpresa da viagem, não tínhamos idéia de que seria tão emocionante, e até pensamos em desistir de percorrer a estrada da morte de Coroico depois de vencer esta estrada insana.
 

 Estrada Coroico a Chulumani

 Estrada Coroico a Chulumani

Logo vamos chegando a Chulumani e amanhã cedo iremos a Chicaloma, onde existem muitas famílias Afrobolivianas e muitas histórias sobre eles.
 

Assim termina nosso intenso e perigoso vigésimo dia de jornada pela Bolívia.

Equipe na Estrada Coroico a Chulumani

Texto e fotos: Mario Friedlander

Aliado estratégico - Edgar Gemio Zabala

Compromisso profundo

Edgar Gemio

Uma das mais gratas surpresas da nossa viagem foi ter conhecido a este jovem intelectual afro-boliviano, que realmente nos surpreendeu pela sua cultura, responsabilidade, dedicação, dinamismo, educação e visão empreendedora.
 

Estudante de Engenharia Comercial e gestor cultural por paixão e vocação, ele desenvolve diversas atividades vinculadas às artes e ao conhecimento. Nascido no vilarejo de Tocaña da região de Los Yungas, seu pai é um conhecido compositor de ritmos afro-bolivianos, com letras que expressam grande sensibilidade e compromisso com o seu povo.
 

Como se fosse pouco, Edgar desenvolve iniciativas para melhorar as condições de vida do seu povo, através de parcerias com instituições vinculadas à agricultura alternativa, de modo a enriquecer a variedade de cultivares do povo afro-boliviano.
 

Edgar Gemio participou conosco da viagem a Los Yungas, nos abrindo as portas das comunidades afros dessa acidentada região, nos acompanhando com compromisso e dedicação nos capítulos mais intensos da aventura. Com ele transitamos pelas estreitas e perigosas estradas debruçadas na beira de abismos de centenas de metros, que são uma das características mais destacadas dessas comarcas montanhosas e de difícil acesso.
 

A nossa relação com Edgar Gemio recém começa e sem dúvida, muitas novas iniciativas acontecerão no futuro.

Para conhecer mais dele e das suas diversas atividades, confira aqui:


Diário de Bordo - 15 de março de 2011

Amanhece com chuva fina e uma densa neblina que nos impede de sair para as comunidades Afrobolivianas nos arredores de Coroico.
 

Giovanna vai a Caranavi participar de uma reunião sobre gestão de águas num projeto em que participa a Fundação Ecos Vida Bolívia e Edgar Gemio, volta de La Paz para se juntar a nós e continuarmos nosso trabalho com os Afrobolivianos daqui.
 

Voltamos à Tocana e entrevistamos Jose Luiz Delgado, o "Pulga" como é conhecido e chamado pela comunidade Afro e pelos muitos turistas estrangeiros que se acomodam em sua casa e nos quartos que aluga. Pulga é antropólogo e atualmente produz artesanato e cuida de seus turistas, é um pensador perspicaz e conhece profundamente o tema Afroboliviano. Concede a entrevista incomodado por grande número de mosquitos que nos picam sem dó.
 

Pulga

Acabada a entrevista, seguimos rápido para Mururata a poucos quilômetros dali para encontrarmos o Rei Afroboliviano Julio Pinedo e realizarmos a entrevista marcada dois dias atrás. Não queremos atrasar nenhum minuto, pois dizem as más línguas que o Rei é muito rigoroso no trato com terceiros e não toleraria nenhum atraso.
 

Mururata

Mururata

Chegamos em Mururata antes da hora marcada e vemos que a casa e a venda do Rei estão trancadas a cadeado. Esperamos passeando pela pequena comunidade e na hora combinada vamos a casa do Rei e perguntamos por ele aos vizinhos, depois de um tempo conseguimos localizá-lo. Ele nos atende constrangido, está fazendo massa de pão junto com a esposa e alega que tem muito trabalho, são 2 arrobas de massa de pão e deve leva levar cerca de 4 horas para que esteja pronta para assar.
 

 Rei Afroboliviano Julio Pinedo

Ficamos desconcertados, pois marcamos com antecedência. Com sua autorização, ele resolve a questão remarcando a entrevista para daqui a 6 meses, isso mesmo, 6 meses! Tentamos argumentar e marcar para o próximo dia onde ele estará com a comunidade num mutirão para colher folhas de coca, mingas como eles dizem aqui. Mas ele rebate dizendo que sua coroa original está em La Paz, a nova que mandou fazer não ficou boa, a capa tem alguns problemas, a roça de coca é longe e assim por diante. Seis meses seria um bom tempo e assim ficamos todos constrangidos no meio da deserta Mururata. Proponho voltar em agosto, e depois de pensar, ele aceita a proposta. Nos despedimos rapidamente e ele volta ao trabalho e nós à Tocana para entrevistar o Manoel Barra.
 

Estamos frustrados, mas não vamos perder tempo, subimos até a isolada casa do Manoel Barra, um senhor de 95 anos, quase cego, que vive só com a mulher que trabalha por ele. Ele nos conta sobre o passado dos Afro na região tamborilando um tambor improvisado, faz voz de falsete e canta as músicas de outrora, encanta a todos nós.

 Manoel Barra

Maclovia Barra

Manoel Barra

Retornamos a Vila de Tocana e ao final do dia observamos o movimento das pessoas voltando das plantações de coca, assim vamos conhecendo um e outro.
 

Encontramos as pesquisadoras Argentinas arrasadas, pois na reunião com a comunidade para a finalização de seu projeto, foram impedidas de participar e parte da comunidade negou a autorização para a coleta das amostras de DNA. Elas conversaram com várias pessoas, inclusive com Edgar e seu pai Vicente, os quais fizemos questão de apresentar e propor sua ajuda para resolver este impasse.
 

As comunidades por aqui decidem tudo em reuniões com a participação de todos, democracia total, sem chance de trilhar outro caminho. Observamos como será árduo nosso trabalho de documentação futura, se a comunidade não quiser ser fotografada ou documentada, assim será.
 

Voltamos a Coroico já de noite e depois de comer alguma coisa pela apertada e confusa Coroico, seguimos para o Hotel La Finca onde temos parceria e é nosso porto seguro.

Hotel La Finca

Hotel La Finca

Hotel La Finca

Texto e fotos: Mario Friedlander