quarta-feira, 2 de março de 2011

Diário de Bordo - 2 de março de 2011

Saímos bem cedo de Santa Cruz, desta vez com nossa equipe completa pois o Luca Spinoza já está conosco, vamos em direção a Cochabamba, a cerca de 500 kms pela estrada velha pois a estrada nova encontra-se intransitável em alguns trechos, principalmente pela queda de uma ponte.
 

Quando estávamos estacionados em frente ao Posto da Polícia de Trânsito na saída de Santa Cruz, para fazermos nosso registro de saída e pagamento do pedágio, nosso carro teve a traseira esquerda atropelada por uma carreta bitrem carregada. O acidente provocou poucos danos materiais, mas um grande transtorno na viagem, pois tivemos que ir todos juntos a cidade mais próxima para registrar a ocorrência em uma delegacia e assim tentar receber pelos danos causados pelo motorista da carreta. Neste procedimento acabamos perdendo 3 horas preciosas que depois fizeram uma enorme diferença para nós.

Batida no carro da Expedição

Delegacia em Santa Cruz

Após o incidente, saímos para Samaipata onde a rodovia acompanha o correntoso Rio Piray com cânions e florestas espetaculares além de morros areníticos e outras formações montanhosas muito belas e incomuns para nós. Esta é uma região da mais alta beleza cênica e foi difícil controlar a vontade de parar o carro e registrar em fotos e vídeo o que víamos.

 Vale do Piray
Vale do Piray

Vale do Piray

Vale do Piray

Após a região de Samaipata que fica acerca de 1500 metros de altitude, penetramos numa área com um ecossistema completamente diferente, uma vegetação menor e mais seca, com muitas espécies de cactos e uma exuberância surpreendente. O Hélio Caldas, que é pernanbucano e conhece muito bem todo o nordeste brasileiro, ficou atônito, segundo ele, parecia que estávamos atravessando o sertão nordestino na época das chuvas, o clima, a paisagem, a vegetação inclusive os cactos e várias espécies de árvores, a arquitetura das casas de adobe e a configuração dos pequenos sítios com plantações de milho e outros vegetais, a criação de cabras e gado rústico solto, tudo é igual ao sertão nordestino. Pura Caatinga em plena Bolívia.
 

Vale Mesotermicos

Vale Mesotermicos

Vale Mesotermicos 

Vale Mesotermicos

Após ultrapassar esta linda e surpreendente região, nas proximidades onde Che Guevara foi morto, continuamos até Comarapa. A partir daí enfrentamos uma subida muito íngreme numa estrada coberta por uma poeira muito fina, como a estrada nova está bloqueada, os caminhões de carga que abastecem Santa Cruz com produtos manufaturados e outros caminhões que saem de Santa Cruz com produtos agropecuários em direção a várias partes da Bolívia, além dos ônibus e carros menores, todos têm que transitar por este trecho, são muitos quilômetros de paisagens arrebatadoras imersos numa espessa nuvem de poeira fina que tudo penetra e tira toda visibilidade.
 

Parece que estamos numa roleta russa, puro perigo, sem nenhuma chance de relaxamento. Nunca tinha passado em  uma estrada tão linda e tão desconfortavelmente perigosa, pelo menos até aquele momento. Logo eu veria que aquilo era só o começo da encrenca.
 

La Siberia

Começamos a subir cada vez mais as grandes montanhas em direção a "La Sibéria", considerada pelo Luca Spinoza como uma "fábrica de chuvas", realmente, no alto de grandes montanhas cobertas de uma floresta muito diferente, nuvens gigantes se formam e se espalham continuamente.

La Siberia

Após chegarmos a La Sibéria toda a poeira se transformou em neblina com poeira e pudemos ver melhor onde estávamos metidos, enormes precipícios no lugar de acostamentos e um visual incrivelmente belo e assustador, a estrada sobe até chegar aos 3500 metros de altitude ou seja, em poucos quilômetros subimos dos 1500 metros em Samaipata para os 3500 metros na Sibéria.

La Siberia

La Siberia

Logo começamos a descer em direção ao "Valle Hermoso" e tudo foi ficando mais bonito ainda, muitas famílias e comunidades em meio as montanhas colhendo plantações de batatas e pêssegos.

Colheita Durazno

Ao chegarmos ao fundo do Valle Hermoso, imediatamente começamos a subir pelo outro lado da cordilheira de montanhas e o que era belo e perigoso antes, era só um prenúncio do que nos esperava.
 
Equipe no Vale Hermoso

Vale Hermoso

Vale Hermoso

Equipe no Vale Hermoso

A estrada serpenteava entre altas montanhas, precipícios e cachoeiras por todas as partes, espetacular seria pouco para descrever a paisagem que desfrutamos ao final do dia, mas por outro lado vimos que nossa jornada noturna seria muito mais arriscada do que tudo que já tínhamos feito anteriormente.
 

Os caminhões subindo e descendo sem parar, sem ligar os faróis e sem muita delicadeza com carros menores, a poeria voltou a cobrir tudo, juntamente com a escuridão da noite. Não havia outra opção a não ser seguir em frente até Epizana onde o asfalto nos aguardava. Foi o que fizemos com muita tensão e cansaço, principalmente do Hélio que teve que encarar a direção do veículo por mais de 20 horas e ainda estávamos bem longe de Cochabamba.

Chegamos em Epizana e o alívio de estarmos numa estrada de asfalto, esburacada, mas de asfalto, logo seria substituído por mais tensão ainda, pois logo percebemos que o alternador do carro não funcionava mais, continuamos nossa viagem enquanto nossa luz minguava e depois acendemos nossa pequenas lanternas até encontrarmos um ponto que seria possível sair desta perigosa estrada e passar a noite.

Encostamos o carro na pequena Comunidade Saca Bambilla, de agricultores Quichúas e aí ficamos a noite toda dentro do carro, com muito frio ao lado de um jumento amarrado por uma fita de couro na perna, os donos do jumento estavam meio bêbados de tanto tomar chicha e incomodados pela nossa presença repentina. Resolveram no meio da noite carregar o jumento com grandes sacos de vegetais.
 
Chegada na Comunidade Saca Bambilla


Foi a maior confusão, todo mundo tonto carregando o jumento e a carga caindo a todo momento e eles bradando entre si em quíchua e tudo isso no escuro ao nosso lado, uma cena muito absurda e um pouco cômica. Ficamos calados, mas rindo por dentro e temerosos que a cena toda terminasse em algum tipo de violência, mas de repente o pessoal desistiu de carregar o jumento e foram todos dormir meio cambaleantes.

Ficamos, nós e o jumento, cada um no seu canto, tentando dormir em meio ao frio e a uma chuva fina. Passamos a noite toda sentados tentando dormir e sendo acordados continuamente pelo relinchar estrondoso do jumento que de tempos em tempos nos acordava sobressaltados.
 

Assim terminamos nosso sétimo dia de jornada.


Texto e Fotos: Mario Friedlander