sexta-feira, 27 de maio de 2011

Agradecimentos pela programação da Festança 2011


Nossos agradecimentos e homenagem a:

Associação das Tradicionais Irmandades de Vila Bela e
Irmandade do Glorioso São Benedito
Consistório da Irmandade
Vila Bela da Santíssima Trindade

Nazário Frazão de Almeida, Presidente

Leopoldo Frazão de Almeida, Vice-Presidente

Ismael Fernandes de Brito, Tesoureiro

Jônice Aparecido Marques de Almeida, Escrivão

FESTEIROS DE SÃO BENEDITO 2011
Rei - Máximo Carneiro Geraldes
Rainha - Valda Coelho Cano
Juiz - Cleomendes Bispo da Silva
Juíza - Ruth Cano de Brito

RAMALHETES
Ana Cláudia Mendes Leite
Natália de Freita Taques
Josiele Ortiz Geraldes
Marissol Cristina de Brito Dias

PROCURADORA DA FESTA
Maria Gorete Rodrigues de Almeida Nantes

MENSAGEIRO
Lélis Carneiro Geraldes

Festeiros antigos de São Benedito

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Programação da Festança de Vila Bela da Santíssima Trindade 2011

FESTA DO SENHOR DIVINO ESPÍRITO SANTO


13 de julho - Quarta-feira
20h  -  Reza cantada na Casa do Capitão do Mastro


14 de julho - Quinta-feira
17h - Levantamento dos Mastros do Divino e Glorioso São Benedito


16 de julho - Sábado
00h - Alvorada
20h - Reza cantada na Casa da Imperatriz
21h - Reza cantada na Casa do Imperador

17 de julho - Domingo
09h - Missa em honra ao Divino Espírito Santo
10h30 - Sorteios de novos festeiros para ano de 2012
11h - Cortejo pelas ruas animado com a folia do Divino até as casas dos Festeiros
12h - Almoço oferecido pelo Imperador no Centro Comunitário
19h - Jantar oferecido pela Imperatriz  no  Centro Comunitário



FESTA DO GLORIOSO SÃO BENEDITO


17 de julho - Domingo
18h30 - Apresentação da Dança do Congo para os Festeiros e as autoridades constituídas onde o Rei do Congo solicita simbolicamente a chave da cidade para que possa reinar durante os festejos da Festança
19h30 - Reza cantada na casa da Rainha
20h30 - Reza cantada na casa do Rei
21h30 - Reza cantada na casa da Juíza
22h30 - Reza cantada na casa do Juiz


18 de julho - Segunda-feira
05h - Saída da Dança do Congo para buscar os Festeiros e conduzi-los até a igreja


08h - Missa em honra ao Glorioso São Benedito
10h - Apresentação da Dança do Chorado em homenagem aos Festeiros

Marina Albuquerque

10h20 - Apresentação da Dança do Congo em homenagem ao São Benedito
11h - Cortejo pelas ruas levando os Festeiros para suas casas com a escolta da Dança do Congo, sendo entregue a Rainha e Rei

Augusto de Barros e Astrogilda Leite de França, Rei e Rainha de São Benedito

12h - Almoço oferecido pela Rainha no Centro Comunitário
15h -  Cortejo com a escolta da Dança do Congo levando a Juíza e o Juiz para suas casas
19h - Jantar oferecido pelo Rei no Centro Comunitário

Antonio Décio Ferreira Coelho, Rei de São Benedito em 2002

19 de julho - Terça-feira
05h - Saída da Dança do Congo para buscar os Festeiros novos e os atuais Festeiros e conduzi-los até a igreja
08h30 - Missa em homenagem a Irmandade do Glorioso São Benedito
10h - Cerimônia de Posse de novos Festeiros
10h30 - Cortejo pelas ruas levando os Festeiros novos para suas casas com a escolta da Dança do Congo
12h - Almoço oferecido pela Juíza no Centro Comunitário
15h - Cortejo com a escolta da Dança do Congo levando os atuais Festeiros para suas casas ao som de despedida 
18h30 - Encerramento da Dança do Congo em frente a Igreja Matriz
19h - Jantar oferecido pelo Juiz no Centro Comunitário



FESTA DA MÃE DE DEUS

20 de julho - Quarta-feira
20h - Reza cantada na casa da Juíza e Juiz

21 de julho - Quinta-feira
09h - Missa em homenagem a Nossa Senhora Mãe de Deus
10h30 - Cortejo pelas ruas levando os Festeiros em suas casas



FESTA DAS TRÊS PESSOAS DA SANTISSIMA TRINDADE

23 de julho - Sábado
00h - Alvorada
20h - Reza Cantada na casa da Juíza e Juiz

24 de julho - Domingo
09h - Missa em homenagem as Três Pessoas da Santíssima Trindade
10h30 - Cortejo pelas ruas levando os Festeiros em suas casas
12h - Almoço oferecido pela Juíza e Juiz
17h - Descida dos Mastros e homenagem de transmissão de posse de novos Festeiros do Senhor Divino Espírito Santo, Nossa Senhora Mãe de Deus e Três Pessoas da Santíssima Trindade, com a bênção final do Pároco na Igreja Matriz.

sábado, 21 de maio de 2011

Revista Afromundo


Estamos lançando uma revista que mostrará as minorias, a natureza, cultura e lugares para vivenciar. Precisamos de parceiros para viabilizarmos o lançamento até julho, quem se interessar, entre em contato.

terça-feira, 10 de maio de 2011

A Festança de Vila Bela - 2ª parte

Dona Mância emocionada, ouve a indicação dos novos festeiros feita pela Presidente da Irmandade do Divino, Dona Nemézia

A Festança é celebrada em toda a cidade de Vila Bela. O núcleo das atividades é a Igreja Matriz, para onde os festeiros e as procissões afluem, se concentram e dali saem em cortejos pelas ruas. A praça em volta da igreja, com seu pátio frontal, também concentra inúmeras atividades, como o encontro para as alvoradas festivas, o levantamento dos mastros, a queima de fogos, o badalar dos sinos, a apresentação do Chorado e do Congo, a concentração de festeiros e autoridades.

O Chorado na Festança

O Centro Comunitário abriga a cozinha onde a atividade é intensa e quase ininterrupta durante toda a Festança, pois além de proporcionar sete refeições fartas e gratuitas para toda a comunidade residente e para os visitantes, ainda sedia os ensaios do Congo e pelo menos três bailes oficiais.

A Rainha de São Benedito, Dona Jonas, mostra os biscoitos de ramos, ao fundo a carne seca e a linguiça para a festa

O levantamento dos mastros de São Benedito e do Senhor Divino com suas respectivas bandeiras é feito sempre no pátio frontal da Igreja junto à praça, ficando cada mastro numa lateral do pátio.

Próximo aos mastros são construídas duas arquibancadas de madeira para o público assistir a apresentação da Dança do Chorado e do Congo.

Nos três últimos anos tem sido instalado um grande palco para a apresentação de shows musicais. O palco fica na esquina da rua Pouso Alegre com a rua Travessa do Palácio, atrapalhando e quase impedindo os deslocamentos dos cortejos religiosos e do grupo do Congo.

Vista aérea da praça principal e a Igreja Matriz. No pátio frontal da Igreja ocorre a apresentação do Chorado e do Congo, assim como o levantamento dos mastros. Embaixo à direita, na esquina da rua. Pouso Alegre com a rua Travessa do Palácio, o palco para a realização de shows musicais.

Mutirão para fazer biscoitos da festa

Normalmente a Festança se inicia na penúltima semana de julho. Seguem as datas oficiais das seis últimas Festanças da Vila Bela:
18 a 27 de julho de 1997
15 a 26 de julho de 1998
18 a 27 de julho de 1999
19 a 30 de julho de 2000
18 a 29 de julho de 2001
17 a 28 de julho de 2002
  

CRONOLOGIA
Data: 1752 a 1835
Descrição: Festas religiosas oficiais dos portugueses e festas de santos diversos em suas próprias datas.
Manifestações religiosas e profanas dos escravos associados às festas oficiais de santos.

Data: 1836 a 1982
Descrição: Surgimento e consolidação da Festança, com data móvel entre meados de Setembro e meados de Outubro.

Data: 1983 a 2001
Descrição: Festança ocorrendo com início na penúltima semana de Julho.

Dona Cecília Aranha de Almeida (In memoriam).
Foi Capelona, Juíza e Rainha de São Benedito


CAPITAL E INSTALAÇÕES
Os recursos para realização da Festança são provenientes de várias fontes: as Irmandades / a Paróquia / os festeiros / a Prefeitura Municipal / o Estado através de projetos viabilizados pela Lei Estadual de Incentivo a Cultura e a Comunidade local, onde se inserem alguns devotos, comerciantes, fazendeiros e empresários que eventualmente colaboram.

Veículos / combustível / enfeites Igreja / enfeites Centro Comunitário / fogos de artifício / alimentos diversos / lenha / apetrechos de cozinha / tecidos para vestuário do Congo / tecidos para vestuário do Chorado / tecidos para o vestuário dos Foliões / tecidos para o vestuário do Coral / instrumentos musicais / shows musicais / bailes / produção de cartazes e folhetos.

As instalações utilizadas são a Igreja Matriz / a praça central / o Centro Comunitário / as casas dos festeiros e as sedes da Associação dos Funcionários do INCRA e da Associação dos Servidores da Prefeitura Municipal.

 Dona Andreza (In memoriam)

COMIDAS E BEBIDAS
• Café-da-manhã: também chamado de quebra-torto, é a refeição matinal reforçada servida aos dançantes do Congo pelos festeiros de São Benedito e aos devotos participantes das Alvoradas Dançantes, que normalmente terminam ao amanhecer nas casas dos festeiros. Aos participantes da Folia do Divino, nestas ocasiões, são servidos principalmente sopão de carne com legumes ou caldo de mocotó, café, chás diversos, biscoitos e aluá.

• Almoço e jantar: com cardápio diversificado, variando de acordo com a orientação e condição financeira do Festeiro. Alguns itens mais comuns são: arroz carreteiro ou Maria Izabel / saladas diversas / arroz com linguiça / feijão com couro de porco / feijoada / caldo de mocotó / massaco (banana verde cozida, torresmo e banha de porco socada no pilão) / farofa de banana ou de carne / mandioca cozida ou assada / churrasco de carne / paçoca de carne / refrigerante / cerveja / água.

Aspecto da preparação de biscoito de ramos.

• Bezéques: são diversas guloseimas simples, oferecidas como lanche pelos festeiros, após a realização das rezas cantadas, das visitas da Esmola do Divino ou, quando da recepção do cortejo com os festeiros em visitas às casas. Os bezéques mais comuns são: bolachinhas africanas / aluá (refresco de milho fofo torrado) / chicha (refresco fermentado de milho fofo torrado) / bolo de arroz / biscoito de ramos / kanjinjin / licores diversos (folhas de figo / folhas de lima / pequi / laranja / genipapo / etc.) / licor de leite ou leite de onça / refrigerantes.

Distribuição de bolo de arroz e chicha na casa do festeiro, depois da reza.

Outros itens eventuais dos bezéques são: biscoito francisquito / bolo amarra-marido / mané-pelado / biscoito de sinhá / bodó / pipoca / amendoim torrado / pé-de-moleque / bolo de milho / chás diversos / chocolatada de amendoim.

 Mutirão de biscoitinhos para a Festa de São Benedito

Grande parte dos Católicos praticantes na cidade e arredores participam de toda a Festança, os vilabelenses que vivem em outras cidades, assim como seus descendentes e parentes veem em massa para participar dos rituais e principalmente da grande confraternização que se instala na cidade.

Dona Jonas e Seo Geraldinho, Rainha e Rei de São Benedito

A presença de visitantes sem nenhum vínculo de parentesco tem aumentado muito, são pessoas que poderiam ser classificadas como turistas em busca de atrativos culturais e visitantes das proximidades em busca da efervescência da Festança.

A maioria dos visitantes que têm vínculos de parentesco na Vila Bela são provenientes de Cuiabá, Cáceres, Pontes e Lacerda, Guajará-mirim/RO e Porto Velho/RO.

Os visitantes sem vínculos de parentesco provem em sua maioria de Pontes e Lacerda; Cuiabá e Cáceres.

A participação dos vilabelenses e seus parentes que vivem fora, incluído o povo de Rondônia, é notória, eles são eleitos festeiros, participam da organização e execução das festas, divertem-se o tempo todo, buscam recuperar o tempo passado longe da terra natal, de seus familiares e amigos.

A moçada se diverte no Rio Guaporé em frente a Praia Morena

Os turistas culturais participam como assistência e acabam se envolvendo no fervor da Festança, principalmente em relação ao Congo. Os visitantes das proximidades buscam mais a diversão junto à praia no rio Guaporé, os banhos de cachoeira na Serra Ricardo Franco, as paqueras na praça, nos bailes e nas danceterias, assim como a participação nos shows musicais que estão sendo apresentados na praça durante a noite.

 Imperatriz e Imperador do Divino Espírito Santo

Texto e fotos: Mario Friedlander

Fonte:
A Festança de Vila Bela da Santíssima Trindade - Mato Grosso

Mario Friedlander
Inventário Nacional de Referências Culturais
IPHAN
Ministério da Cultura
Cuiabá, Dezembro de 2001

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A Festança de Vila Bela (1ª parte)

Dona Lidia dançando o chorado (In memoriam)

A Festança de Vila Bela, também chamada de Festa do Congo, é uma celebração religiosa Católica anual, com duração média de 10 dias. Considerada pela população tradicional como uma festa do povo negro para celebrar os santos, em especial, São Benedito.

A Festança consiste no ajuntamento de várias festas de santos, que anteriormente ocorriam em datas próprias. É o conjunto das festas do Divino Espírito Santo, Festa do Glorioso São Benedito e Festa das Três Pessoas da Santíssima Trindade, que ocorrem no tempo de uma semana, sequenciadas, sem interrupções.

Esta “aglomeração” de festas teve início a partir da transferência da capital de Mato Grosso para Cuiabá (1835). Praticamente despovoada, Vila Bela da Santíssima Trindade foi abandonada pelos portugueses e brasileiros brancos.

Dona Ambrozina de Brito carregando a coroa do Mastro do Divino

Negros forros, livres, escravos velhos e escravos fugidos, além de escravos incumbidos de zelar por algum patrimônio de seus senhores, permaneceram na ex-capital semideserta.

Os padres que garantiam alguma segurança espiritual e os soldados que guarneciam a fronteira com os espanhóis também se foram.

Os índios Nhambiquaras, Paresi e outros, voltaram a incursionar pelo antigo território, agora “patrimônio” de Vila Bela. Atacavam os negros, suas roças e criações e roubavam suas mulheres. Os habitantes de alguns antigos arraiais de mineração, como São Vicente; Pilar; Santana; Ouro Fino e outros, pressionados pela completa insegurança e precariedade da situação, começaram a se transferir para a cidade de Vila Bela, ocupando casarões vazios, trazendo seus santos padroeiros, abrindo roças em mutirões solidários, fundando inúmeras comunidades rurais negras, principalmente na beira dos rios Alegre e Barbado.

Manoel Frazão de Almeida (In memoriam) antigo Presidente da Irmandade de São Benedito

A comunidade negra se formou, com quatro famílias predominando: Leite de Brito; Profeta da Cruz; Ferreira Coelho; Leite Ribeiro.

Os vilabelenses começaram a revidar os ataques dos índios, destruindo malocas, roubando crianças e consolidando seu território.

Comemorando os santos padroeiros com rezas e ladainhas, aguardando as raras visitas dos padres franciscanos de Cáceres. Quando o padre visitava a Vila Bela, vinha montado, com grande esforço, levando um mês para chegar, ficava outro mês celebrando casamentos, crismas, batizados e missas.

A comunidade negra afluía para o espaço urbano já em deterioração, todos querendo celebrar seus santos sob a benção do padre.

O povo negro se manifesta dançando e cantando: o Congo, a Dança do Marujo e a Luanda, a Dança do Tambor, o Batuque e o Chorado. Daí surgiu a Festança de Vila Bela, que se repetia a cada retorno do padre. Às vezes ele fica nove anos sem aparecer, às vezes seis anos, às vezes quatro anos, mas quando ele chegava, toda a comunidade se reunia e celebrava com fartura e simplicidade.

A comunidade era pequena, as roças generosas, carne de boi, porco, galinha, peixe e caça eram fartas. A pinga era feita nos sítios, o vinho de açaí vinha da mata, os biscoitos de ramos, a chicha e o aluá, os licores e chás de plantas aromáticas.

Reza Cantada na Festa de São Benedito

À noite rezas cantadas nas casas dos festeiros, depois bailes de sanfona, cururu, siriri ou batuque, o chorado nos quintais...

A oportunidade de todos se reunirem, o surgimento de namoros e casamentos, o encontro das crianças, quase todos parentes, a troca de informações e favores.

A Festança se transformou no ponto de aglutinação da comunidade negra pobre, simples, dona de uma fé ardente, apegada às suas tradições singelas.

Atualmente, é composta pela Festa do Divino Espírito Santo ou Senhor Divino, com a peregrinação da esmola do Divino; Festa do Glorioso São Benedito, com a participação do Congo e do Chorado e a Festa das Três Pessoas da Santíssima Trindade. As três festas são organizadas pelas respectivas Irmandades, por festeiros escolhidos anualmente através de convite, sorteio, ou oferecimento espontâneo para pagamento de promessas.

Thiago de Oliveira Coelho, Capitão do Mastro do Divino Espírito Santo

As principais características da Festança são o fervor religioso, a devoção aos santos, a obediência e sujeição às regras das irmandades, a distribuição gratuita de alimentos e bebidas, a alegria e a tranquilidade reinante na cidade, a solidariedade e a oportunidade de reconciliação entre os membros da comunidade.

“...sinhá Rainha está sentada / Sem intenção de se alevantar / Sinhô Rei vamos embora / Sinhô Juiz mandou chamar”. Trecho de música do Congo que é cantado para a Rainha e o Rei de São Benedito após a Missa solene.

As atividades complementares da celebração são: peregrinação da esmola do Senhor Divino / as rezas cantadas nas casas dos festeiros / mutirões para a produção de alimentos (biscoitos e bebidas diversas, linguiça e carne seca) / levantamento dos mastros / alvoradas dançantes ou festivas / queima de fogos / missas solenes / almoços e jantares comunitários / apresentação do Congo / apresentação da Dança do Chorado / procissões ou cortejos dos festeiros / sorteios e escolhas dos festeiros pelas irmandades / bailes.

Leopoldo Frazão badalando os sinos

Texto e fotos: Mario Friedlander

 

Fonte:
A Festança de Vila Bela da Santíssima Trindade - Mato Grosso
Mario Friedlander
Inventário Nacional de Referências Culturais
IPHAN
Ministério da Cultura
Cuiabá, Dezembro de 2001

sábado, 7 de maio de 2011

Estrada da Morte

Vertiginosa travessia
Uma das emoções mais especiais que a nossa expedição vivenciou durante o trajeto de mais de cinco mil quilômetros de viagem, ao longo de quarenta e um dias de aventura repletos de experiências de todo tipo, foi, sem dúvida, o arrepiante percurso pela sempre perigosa, lendária e belíssima “Estrada da Morte”.


Paraíso perigoso
Quando, no decorrer da primeira etapa da Expedição Paralelo Quinze, transitamos por esta estrada ao mesmo tempo fascinante e amedrontadora, ela fez trabalhar os meus sentidos ao máximo e ao longo do seu acidentado trajeto eu descobri, surpreendido e encantado, maravilhas que me abriram a percepção de uma maneira mágica e intensa: cromáticos e clandestinos silvos de aves invisíveis, fantasmas escorregadios transitando pelo labirinto das matas enigmáticas; indóceis quedas de água da cada vez mais escassa neve dos Andes, trilhas pré-colombianas congeladas sob a mortalha das neves eternas, sugestivas rajadas de ventos errantes e poderosos, sombras fugidias e imprecisas vagueando entre paredões milenares e desconhecidos aromas florais, esvoaçando no ar puríssimo dos vales profundos. Isso sem falar da apavorante vertigem que tentava acovardar o corpo e o espírito, fazendo-me visualizar a dimensão exata da nossa fragilidade...



Luca Spinoza e Hélio Caldas

Não, não pense, por favor, que me extraviei nas pantanosas profundezas das abstrações mais alucinadas, ao tentar descrever o trajeto de uma simples estrada. Na verdade, é impossível deixar de ser meio subjetivo e surreal, ao escrever sobre este extraordinário lugar que, além de nos seduzir, tem o poder de acordar adormecidos e primitivos instintos.

Muitos são os estímulos sensoriais com que nos bombardeia a superlativa beleza desta serpeante e perigosíssima rota, literalmente esculpida na rocha quebradiça das exuberantes encostas orientais dos Andes bolivianos.


Assim como nos maravilhamos com suas imponentes paragens, que também possuem comovedoras e trágicas histórias humanas, ali nosso instinto de sobrevivência nos mantém em alerta constante, pois há permanentes perigos camuflados no meio das paisagens estonteantes.

Trabalhos forçados
Incontáveis e lúgubres cruzes de madeira, assim como pequenas lápides de pedra cobertas de epitáfios, advertem que milhares de pessoas morreram ao longo de décadas de funcionamento da estrada. É que a precariedade e pouca largura dela, somadas à falta de manutenção dos carros, desrespeito às regras de circulação, visibilidade reduzida, geografia abrupta, instabilidade geológica e condições climáticas usualmente adversas, fizeram com que centenas de veículos despencassem junto aos seus passageiros; se espatifando segundos depois (carne humana e metal) no fundo de assustadores precipícios de centenas de metros de profundidade. 

Se o nome popular desta rota nos carrega ao universo da fatalidade, ela também é um dos mais espetaculares e deslumbrantes cenários naturais do departamento de La Paz e da Bolívia.

Esta vertiginosa estrada de chão se inicia no hoje fantasma arraial de Chuspipata, para depois atravessar as ladeiras dos bosques nublados de Sacramento e finalizar no alquebrado vilarejo de Yolosa, em um arrepiante trajeto que pela intensidade com que estimula a adrenalina e os reflexos, não deixa ninguém indiferente.

Cinzelada diretamente na rocha com golpes de picareta e explosões de dinamite, é uma rota extremamente estreita e sinuosa, com incontáveis e fechadíssimas curvas que vão bordejando precipícios que chegam ao exagero de alcançar 1000 metros de queda livre.


Para dar um toque ainda mais pitoresco e quase irreal à aventura de descê-la, em meio do seu percurso descobrimos, atônitos, que uma belíssima cachoeira chamada de São João (San Juan) cai sobre o caminho desde um impressionante paredão de mais de cem metros de altura, coberto de bromélias, líquens, orquídeas, samambaias e musgos aveludados.

Em um mirante que fica em frente dela, há uma grande lápide com inscrições em idioma hebreu, homenageando alguns ciclistas israelenses que caíram ao abismo em anos passados.


Turistas Israelitas na lápide

Construída pelo trabalho forçado de desafortunados prisioneiros paraguaios capturados durante a sangrenta Guerra do Chaco, que enfrentou a Bolívia e Paraguai nos anos trinta do século XX, esta estrada foi durante muitos anos o único acesso àquela isolada região.

Descida radical
Antes que esta polêmica estrada fosse desativada definitivamente no ano 2006, centenas de veículos a percorriam diariamente, muitos deles carregados de frutas e madeira para abastecer a cidade de La Paz. O mais surpreendente era que desafiando todas as normas de trânsito das nossas terras americanas, a subida era feita pela esquerda do caminho, para que os caminhões carregados transitassem grudados à rocha. O motivo dessa inusitada inversão das pistas de circulação era evitar que, ao se encontrar com outro veículo descendo, o peso dos caminhões ou ônibus fizesse ceder o terreno e os precipitasse ao despenhadeiro.


Como, além disso, a chuva e a névoa são muito frequentes nessa região, diminuindo notavelmente a visibilidade, fazendo o chão escorregadio e afrouxando enormes pedras que caem das montanhas, em 1995 a rota foi batizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) como a “estrada mais perigosa do mundo”.


Apelidada por essas razões com o funesto nome de “Estrada da Morte”, atualmente transformou-se numa rota ecológico-turística, visitada por mais de 30.000 ciclistas ao ano. Chegados de diversos países, esses amantes do esporte radical e da aventura, enfrentam motivados e sorridentes o desafio de descer 3500 metros de desnível através de um percurso de 64 km. Todo se inicia em La Cumbre, a 4700 gélidos metros de altitude, simbólico ponto de transição entre o planalto andino e os vales subtropicais de Los Yungas. Horas depois de uma descida arriscada e inesquecível, que faz valorizar a vida e a saúde numa nova dimensão, tudo finaliza em grande estilo no pequeno povoado de Yolosa.

Todo aventureiro de alma de artista, deve visitar pelo menos uma vez na vida esta maravilhosa estrada que, apesar de sua fatídica fama e das mortais estatísticas que lhe acompanham, é certamente um lugar muito especial, onde a potência e a magia da natureza se percebem em todo seu esplendor.



Texto: Luca Spinoza
Revisão do texto: Alda Quadros do Couto
Fotos:  Mario Friedlander
Estamos encaminhando a todos nossos parceiros a versão final do relatório executivo de nossa primeira viagem a Bolívia.

Aproveitamos a ocasião para agradecermos publicamente a todos eles pelo apoio dado ao nosso projeto.