terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Narrativas de Viagem

Entusiasta manifestação

Assim que Victor Friedlander e eu saímos da rodoviária da cidade de La Paz, depois de comprar passagens de ônibus para Arica (no extremo norte do Chile), nos defrontamos com uma imensa manifestação de produtores de coca da região de Los Yungas, que atravessavam entusiastas frente a nós, enquanto se dirigiam à Praça Murillo, localizada no coração da cidade e à sede do palácio de Governo.



O motivo que os reunia nessa multitudinária passeata era celebrar a despenalização, por parte das Nações Unidas, do hábito ancestral de mastigar a folha da coca. Ao contrário de muitas das manifestações que acontecem por aqui, que são caracterizadas pela violência e o exacerbado protesto social, esta tinha uma conotação totalmente diferente e os seus participantes, que estavam felizes e inspirados, nos presentearam com vários saquinhos de folha de coca de Los Yungas, que segundo os consumidores é a melhor do país.






Confesso que nesse momento o Victor me preocupou por alguns instantes, pois seu ímpeto juvenil levou-o rapidamente a posicionar-se de frente à multidão que desfilava em um fluxo inesgotável. Eu já tinha lhe fornecido informações sobre a agitação social de La Paz e o alto risco de tirar fotos em meio de uma manifestação social dessa cidade, mas ele, assimilando rápido as minhas palavras, conquistou os manifestantes com a sua naturalidade e carisma, pelo que lhe permitiram não somente tirar fotos, senão também filmá-los e até trocar umas ideias com eles.





Camuflado detrás de um ônibus estacionado na beira da rua, eu olhava os milhares de homens e mulheres carregando faixas, letreiros e camisetas com frases e desenhos alusivos ao tema da coca, quando vi, surpreendido, que uma mulher entregava a Victor um saquinho de plástico cheio de folhinhas verdes, enquanto diversas bandas acústicas com bumbos, tambores, instrumentos de vento e violões, passavam tocando músicas características da região andina.





Logo me aproximei dele e fomos presenteados com mais saquinhos, enquanto a manifestação crescia cada vez mais. Depois de olhar pela última vez a inesgotável aglomeração de gente, fomos embora carregados de folhas de coca, as passagens no bolso e a sensação de que a Bolívia é realmente um país muito particular e cheio de encantos e singularidades por descobrir.
    
Luca Espinoza

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Narrativas de Viagem

Alguns Atrativos de Cochabamba


Cochabamba tem muitos atrativos dentro e fora da cidade. Pela escassez de tempo decidimos visitar o Convento de Santa Teresa e o Cristo de La Concórdia, considerado a maior estátua de Cristo Redentor do mundo, supera a do Rio de Janeiro, com 34,20 metros de altura, começou a ser construído em 1987 e foi concluído em 1994.

Cristo de La Concórdia - o maior do mundo

Localizado em uma colina na Serrania de San Pedro, ao lado de uma linda lagoa chamada de Laguna Alalay, o Cristo possibilita uma visão de 360 graus da grande cidade de Cochabamba e das montanhas em seu redor, um excelente programa leve. Aproveitamos também para subir e descer ao Cristo de teleférico, um programa divertido e barato que possibilita praticamente uma vista aérea da região.

Laguna Alalay

Teleférico do Cristo de La Concórdia

O Convento de Santa Teresa, localizado bem no centro histórico de Cochabamba e considerado como uma das joias da arquitetura colonial boliviana, foi construído por um arquiteto jesuíta em 1753 e depois de um terremoto que derrubou grande parte da igreja foi novamente construído e ampliado em 1792. 

Vista da fachada do Convento

O Convento tem o formato e aparência de uma grande fortaleza medieval com muros que chegam a  3 metros de espessura, muitos salões guardam uma importante coleção de obras de arte sacra, principalmente pinturas e imagens de santos.

Vista do pátio do convento


Imagens do interior do Convento


A visita pelos labirintos do Convento é muito interessante, tem lugares bem sombrios que nos remetem a cenas de filmes e ao mesmo tempo mostram como era dura a vida das religiosas que não tinham nenhum contato com o mundo exterior, a não ser nas raras visitas de parentes com quem elas podiam  somente conversar, sem ter qualquer contato físico ou visual com as pessoas.


Imagens do interior do Convento

A visita à parte de cima dos telhados do Convento permite observar muitas técnicas construtivas interessantes e ao mesmo tempo admirar parte da cidade e das montanhas que a cercam, um passeio que vale a pena ser feito.

Telhado do Convento de Santa Teresa

Cochabamba tem 51 atrativos turísticos preparados para a visitação, somente na área urbana, e muitos outros nas redondezas, isso significa que teremos que voltar um dia e conhecer um pouco mais desta pujante cidade boliviana.

Mario Friedlander

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Narrativas de Viagem

De Santa Cruz a Cochabamba


Estamos preparando a viagem para Cochabamba, fomos comprar as passagens do ônibus ou “flota”, como dizem por aqui, saímos do agitado Terminal Bimodal, de onde chegam e partem ônibus e trens em várias direções, inclusive no rumo do Brasil, até Quijarro ou Porto Quijarro, que fica muito próximo a Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Pegamos o ônibus noturno assim chegaremos bem cedo em Cochabamba, que fica a cerca de 400 km de distância de Santa Cruz pela estrada nova de asfalto.

A partida foi bem agitada e um pouco tumultuada, como quase tudo por aqui. Sempre tem muita gente por todo lado e a desorganização e falta de informações claras faz com que o viajante tenha que redobrar sua atenção, inclusive em relação a sua segurança pessoal e de sua bagagem.

Muitos vendedores ambulantes, principalmente de comidas e bebidas se misturam aos passageiros e funcionários das empresas de transporte, facilitando a aquisição de alimentos e atrapalhando o deslocamento das bagagens e passageiros embarcando e em trânsito, mas as coisas fluem desse modo na Bolívia e se você quiser viajar com tranquilidade, segurança e conforto, vá de avião ou não vá.

A viagem foi tranquila, poucas paradas, quase nenhum frio e o ônibus lotado com pessoas dormindo no corredor. Chegamos em Cochabamba ao clarear do dia, assim pudemos ver as milhares de casas que aos poucos ocupam todos as montanhas em redor da vasta cidade.

Cochabamba sempre foi um lugar importante por apresentar imensas planícies férteis em meio a uma extensa região de cordilheiras, esses vales sempre foram usados para a produção de alimentos e Cochabamba pode ser considerada como um dos mais importantes celeiros da Bolívia. A principal atividade econômica continua sendo a agricultura, desenvolvida pelas famílias e comunidades locais, que cultivam centenas de diferentes espécies de valor culinário.

Mulheres vendendo duraznos (pêssegos)

Assim, existe uma predisposição de se ocuparem as encost eas de morros para que se conserve um pouco da planície e também pelo alto valor dos terrenos uma vez que a cidade tem se desenvolvido muito nos últimos anos. O comércio de produtos variados, desde produtos agrícolas e condimentos até eletrônicos, artesanato, vestuário, calçados e todo tipo de coisas, é muito desenvolvido aqui e ajuda a manter a economia acelerada. O Mercado de La Cancha é um mercado público gigante, que funciona nos finais de semana, abrange dezenas de ruas e milhares de pessoas, além de englobar o comércio formal e ambulante e as muitas galerias e shoppings, tudo formando um bloco aparentemente infinito de comerciantes e seus produtos.

Comércio e serviços nas ruas de Cochabamba

La Cancha tem sido apresentado como o principal atrativo turístico da cidade e fomos lá no sábado à tarde para conferir e documentar. Realmente, ficamos surpresos e fascinados, passamos a tarde inteira vasculhando La Cancha e nem sequer conseguimos ver uma parte significativa do mercado, só não o documentamos pois ficamos com receio de chamarmos a atenção mais do que normalmente já fazemos.

Aos olhos dos bolivianos somos gringos, turistas, estrangeiros e sair em meio aquele caos de dezenas de milhares de pessoas, com equipamento fotográfico, não nos pareceu uma ideia segura ou sensata. Mas La Cancha pode realmente ser considerado muito mais que um atrativo turístico: com a extraordinária diversidade de produtos naturais, artesanais e industrializados oferecidos, assim como as possibilidades de degustação culinária e principalmente a diversidade étnica da população local e dos visitantes regionais, foi até agora um dos pontos altos da viagem.

Estamos a cerca de 2.800 metros de altitude em Cochabamba e numa região de encontro de ecossistemas amazônicos e andinos, o clima é bem agradável e não sentimos nenhum efeito nocivo da altitude. A parte histórica da cidade é muito interessante, especialmente a arquitetura colonial espanhola, muitos atrativos históricos, culturais e turísticos estão disponíveis na cidade e em seus arredores.


Vista da Cidade de Cochabamba

Arquitetura espanhola


Viemos aqui para continuar a rota terrestre ao Pacífico e também para visitar um local especial, Inkallajta, “A Morada do Inca” a maior ruína incaica da Bolívia e a segunda maior da América, ficando atrás só de Macchu Pichu, no Peru. Para isso procuramos o Departamento de Turismo e para nossa sorte, tivemos um amistoso e fecundo encontro com Dom José Cerruto – Diretor Departamental de Turismo do Gobierno Autonomo Departamental de Cochabamba.

Ele nos recebeu, ouviu nossas propostas de viagem e nos apresentou uma versão nova das paisagens de Cochabamba, assim como de sua função geopolítica desde o período da dominação incaica. Passamos mais de três horas ouvindo atentamente uma série de dados completamente novos sobre tudo, até sobre a aparentemente consagrada função militar de “Fortalezas” incaicas como Samaipata ou Inkallajta, que na verdade, conforme Cerruto, seriam centros de administração do Império Incaico, visando a consolidar e dinamizar a produção sofisticada de milho e coca, produtos de maior valor que ouro ou qualquer outra coisa e que mantinham o equilíbrio político e fiscal de todo o império.

Também seriam centros de compartilhamento e de reunião de etnias provenientes de todas as diferentes e distantes partes do império incaico, que aqui teriam as condições ecológicas ideais para a exploração de diversos recursos naturais disponíveis como em nenhum outro lugar da América, sem falar na fertilidade e no clima perfeito para o desenvolvimento da agricultura em topografia plana em meio aos Andes, como não existia em nenhuma outra região do antigo império.

Ficamos impressionados com tantas teorias novas e com a capacidade de raciocínio e conhecimento teórico e prático de Dom Jose Cerruto, marcamos uma visita a Inkallajta e fomos aproveitar o tempo para visitar e documentar um pouco do imenso patrimônio de Cochabamba.

Mario Friedlander

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

El Codo de Los Andes

Em 2008 estive em Samaipata e tive a oportunidade de vivenciar uma iniciativa de turismo comunitário, chamada Eco Turismo Eco Andes, onde, com apoio italiano, uma pequena comunidade de agricultores, chamados aqui de campesinos, se organizou para oferecer aos turistas uma caminhada em meio aos vales profundos, cobertos de floresta e que depois subia aos topos das montanhas seguindo trilhas muito antigas, provavelmente milenares.

El Codo de Los Andes - ou 'Cotovelo dos Andes'

A trilha passava por alguns mirantes muito impressionantes até chegar à região da Comunidade Bella Vista de onde se avistam muitas pontas de montanhas em meio a uma paisagem natural deslumbrante, chamada pelo pessoal de Samaipata de “Codo de los Andes” ou o “Cotovelo dos Andes”. Na época fiquei muito emocionado com a experiência, ainda mais ao avistar Condores e ao saber que estas trilhas foram percorridas por Che Guevara e sua tropa na época da guerrilha.

Portanto, ao voltar a Samaipata busquei logo um meio de retornar ao trecho final da caminhada, pois não teríamos tempo de quase todo o dia para refazê-la. Combinamos com o guia Tiburcio Aguilar Llanque da Samaipata Tours e saímos bem cedo do El Pueblito Hotel em direção a comunidade Bella Vista, a cerca de 35km de Samaipata, numa estrada cheia de paisagens muito lindas.

Ao chegarmos às proximidades do Mirante da comunidade, paramos na casa de David Coca Ortiz, um dos líderes da comunidade, para pedir autorização para percorrermos a parte final da trilha, expliquei que tenho interesse em divulgar a experiência deles e fico sabendo que tudo que vivenciei em 2008 foi abandonado, por diversos problemas entre a comunidade e algumas operadoras de turismo e mesmo por dificuldades internas da comunidade.

Assim, mais um produto turístico espetacular se torna indisponível pela simples falta de articulação entre as partes e pela mania latina de dificultar as coisas. Afinal, se a trilha da floresta está arruinada, necessitando de reparos e a comunidade não tem a capacidade de fazer estes reparos, porque simplesmente não liberar a trilha no trecho final que é menor, mais fácil de fazer e muito mais bonito? Uma simples inversão do sentido da trilha iria resolver boa parte das questões e a comunidade Bella Vista, as operadoras de turismo e a associação de guias de Samaipata poderiam oferecer aos muitos turistas interessados a oportunidade de vivenciar uma trilha deslumbrante, de acesso relativamente fácil e com um visual inigualável.

Subida ao Codo de Los Andes

Assim, vamos subindo as montanhas depois de atravessar as pequenas roças da comunidade em busca do ponto mais alto para tirarmos boas fotos. O tempo está meio sem graça e depois de esperarmos por umas duas horas para ver se a luz melhora, resolvo seguir a trilha e descemos parte das montanhas até o local onde, em 2008, ao avistar um casal de condores, pisei numa cobra e descansei na única sombra existente que eram dois pés de Ipê-amarelo-do-cerrado ou os famosos Pára-tudo do Mato Grosso, árvore símbolo de nossa região que vamos encontrar aqui no topo dessas montanhas andinas.

Victor Friedlander fotografando no 'Codo'

Feliz da vida em poder retornar a essa paisagem que tanto me impressionou, ainda mais que estou com meu filho e aprendiz de fotógrafo, procuro pela mesma sombra dos Ipês-amarelos e no colo da mãe natureza, cercados pelos elementos naturais, tomamos um bom lanche, repondo nossa energia para iniciarmos o regresso, subindo as montanhas em direção à comunidade.

Mario Friedländer